DOUTOR DE INTERIOR
Médico jovem, recém formado, boa pinta, bom caráter e com aquele indescritível desejo de cumprir uma nobre missão, o doutor, após examinar com cuidado todas as possibilidades, resolveu que queria ser médico de interior, de cidadezinha pequena mesmo.
Decisão tomada, mãos à obra. Cheio de boa vontade, olhou o mapa do Brasil aberto sobre a cama, deu um rodopio com a mão, fechou os olhos e fez cair o dedo indicador sobre o mapa. O destino o guiaria. A cidade sobre a qual seu dedo recaísse, seria a escolhida!
Abriu os olhos para ver o resultado. Pareceu-lhe um tanto amedrontador, apesar da decisão tomada: O vilarejo “eleito” ficava bem no meio do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, lugar para desbravadores!
Mesmo sentindo aquele friozinho percorrer-lhe a espinha, o doutorzinho não recuou: “Afinal de contas, o que sou eu? Um homem ou um saco de batatas?” – perguntou-se a si mesmo. E, convicto, reuniu seu apetrechos médicos e partiu para sua nova cidade, onde estabeleceu seu consultório.
Filho de pais abastados, acostumado a boas escolas e a um bom vernáculo, assim que os pacientes, já devidamente informados pelo velho e infalível método da propaganda “de boca em boca” começaram a disputar os lugares na sala de espera do “doutorzim”, nosso herói teve seu “batismo de fogo”.
A primeira paciente entrou aflita!
- Acalme-se, minha senhora, vamos fazer sua anamnese – disse-lhe o doutorzim, em tom de conselheiro.
- Dotô, se o senhor quer fazer “maionésia”, é pobrema do sinhô. Agora, só quero que me dê alívio desta agastura!” – respondeu a paciente em tom suplicante.
Sem a mínima noção de que seria “agastura”, o doutorzim não desanimou:
- Minha senhora, pode me dizer qual é a sua queixa?
- Dotô, tô com uma agastura que tá me matando, cá no estômbico, causa que tenho uma úrsula perfurada na diadema!
O doutor, boquiaberto, coçou a cabeça. Não entendera patavina o linguajar de sua paciente. Mas não era homem de desistir!
Levantou-se da cadeira e foi até a porta e, sem rodeios, falou alto para os demais pacientes, na sala de espera: “Sei que este é o meu primeiro dia de trabalho aqui. Mas aviso que esta consulta vai ser demorada. Quem tiver paciência para esperar, fique. Senão, volte amanhã”!
E, decidido, entrou no consultório, disposto a desvendar o mistério da estranha doença que tinha pela frente.
Aí, “coisa e tar e tar coisa” (expressão com a qual, logo, logo, ficaria familiarizado), o nosso herói empreendeu uma longa e dificílima batalha, que durou mais de meio dia.
Finalmente, lá pelas três da tarde, conseguiu descobrir que “a agastura no estômbigo, mode uma úrsula perfurada na diadema” era, trocando em miúdos (ou em bom vernáculo) “uma queimação no estômago, por causa de uma (suposta) úlcera estuporada no duodeno”.
Mais feliz do que Napoleão depois de uma batalha ganha, o dotorzim pôde inaugurar seu bloco de receituários, prescrevendo a medicação para a senhora, sua primeira paciente. Atitude que, meio constrangido deve que desistir, rasgando, em seguida, a receita: o fármaco, em questão, fazia parte do seu estoque de “amostras grátis”.
A paciente saiu satisfeita, levando uma sacolinha de quatro caixas de comprimidos e uma caixa de solução aquosa.
Ainda procurando relaxar do embate terminado, para melhor deliciar-se com o sucesso de sua consulta, olhou, displicentemente, para a sala de espera.
Lá estava, mineiramente acomodado, o seu segundo paciente que, de relance, percebeu, era mais matuto que a primeira.
Mas era homem de decisão. Endireitou os ombros e, corajosamente, quase gritou: “O próximo!
Mal sabia que outra luta começaria e só terminaria às oito da noite: o segundo paciente desejava marcar uma “operação na apênis”.
Depois de ter, finalmente, compreendido que o segundo paciente desejava, na verdade uma cirurgia no apêndice, forneceu mais algumas amostras grátis e, cansadíssimo, deu por encerrado o expediente.
Feliz da vida pelo seu primeiro dia de clínica médica exitosa, fechou o consultório e foi embora para casa, levando, embaixo dos braços um leitão e duas galinhas.
Pagamento de seus honorários!
Tony Ayres
Médico jovem, recém formado, boa pinta, bom caráter e com aquele indescritível desejo de cumprir uma nobre missão, o doutor, após examinar com cuidado todas as possibilidades, resolveu que queria ser médico de interior, de cidadezinha pequena mesmo.
Decisão tomada, mãos à obra. Cheio de boa vontade, olhou o mapa do Brasil aberto sobre a cama, deu um rodopio com a mão, fechou os olhos e fez cair o dedo indicador sobre o mapa. O destino o guiaria. A cidade sobre a qual seu dedo recaísse, seria a escolhida!
Abriu os olhos para ver o resultado. Pareceu-lhe um tanto amedrontador, apesar da decisão tomada: O vilarejo “eleito” ficava bem no meio do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, lugar para desbravadores!
Mesmo sentindo aquele friozinho percorrer-lhe a espinha, o doutorzinho não recuou: “Afinal de contas, o que sou eu? Um homem ou um saco de batatas?” – perguntou-se a si mesmo. E, convicto, reuniu seu apetrechos médicos e partiu para sua nova cidade, onde estabeleceu seu consultório.
Filho de pais abastados, acostumado a boas escolas e a um bom vernáculo, assim que os pacientes, já devidamente informados pelo velho e infalível método da propaganda “de boca em boca” começaram a disputar os lugares na sala de espera do “doutorzim”, nosso herói teve seu “batismo de fogo”.
A primeira paciente entrou aflita!
- Acalme-se, minha senhora, vamos fazer sua anamnese – disse-lhe o doutorzim, em tom de conselheiro.
- Dotô, se o senhor quer fazer “maionésia”, é pobrema do sinhô. Agora, só quero que me dê alívio desta agastura!” – respondeu a paciente em tom suplicante.
Sem a mínima noção de que seria “agastura”, o doutorzim não desanimou:
- Minha senhora, pode me dizer qual é a sua queixa?
- Dotô, tô com uma agastura que tá me matando, cá no estômbico, causa que tenho uma úrsula perfurada na diadema!
O doutor, boquiaberto, coçou a cabeça. Não entendera patavina o linguajar de sua paciente. Mas não era homem de desistir!
Levantou-se da cadeira e foi até a porta e, sem rodeios, falou alto para os demais pacientes, na sala de espera: “Sei que este é o meu primeiro dia de trabalho aqui. Mas aviso que esta consulta vai ser demorada. Quem tiver paciência para esperar, fique. Senão, volte amanhã”!
E, decidido, entrou no consultório, disposto a desvendar o mistério da estranha doença que tinha pela frente.
Aí, “coisa e tar e tar coisa” (expressão com a qual, logo, logo, ficaria familiarizado), o nosso herói empreendeu uma longa e dificílima batalha, que durou mais de meio dia.
Finalmente, lá pelas três da tarde, conseguiu descobrir que “a agastura no estômbigo, mode uma úrsula perfurada na diadema” era, trocando em miúdos (ou em bom vernáculo) “uma queimação no estômago, por causa de uma (suposta) úlcera estuporada no duodeno”.
Mais feliz do que Napoleão depois de uma batalha ganha, o dotorzim pôde inaugurar seu bloco de receituários, prescrevendo a medicação para a senhora, sua primeira paciente. Atitude que, meio constrangido deve que desistir, rasgando, em seguida, a receita: o fármaco, em questão, fazia parte do seu estoque de “amostras grátis”.
A paciente saiu satisfeita, levando uma sacolinha de quatro caixas de comprimidos e uma caixa de solução aquosa.
Ainda procurando relaxar do embate terminado, para melhor deliciar-se com o sucesso de sua consulta, olhou, displicentemente, para a sala de espera.
Lá estava, mineiramente acomodado, o seu segundo paciente que, de relance, percebeu, era mais matuto que a primeira.
Mas era homem de decisão. Endireitou os ombros e, corajosamente, quase gritou: “O próximo!
Mal sabia que outra luta começaria e só terminaria às oito da noite: o segundo paciente desejava marcar uma “operação na apênis”.
Depois de ter, finalmente, compreendido que o segundo paciente desejava, na verdade uma cirurgia no apêndice, forneceu mais algumas amostras grátis e, cansadíssimo, deu por encerrado o expediente.
Feliz da vida pelo seu primeiro dia de clínica médica exitosa, fechou o consultório e foi embora para casa, levando, embaixo dos braços um leitão e duas galinhas.
Pagamento de seus honorários!
Tony Ayres