Friday, November 07, 2008



MOLECAGENS

O jipinho da polícia entrou na rua da nossa casa com a sirene ligada, trazendo a bordo metade do destacamento da cidade: três soldados. O sargento foi logo dizendo:

- Cadê o assassino?

A molecada que rodava pneu nas imediações logo formou uma multidão, ávida por saber quem iria para a cadeia. Nos olhos de cada um havia um misto de expectativa, curiosidade, medo e diversão. Mas o sargento continuou:

- Quero saber quem de vocês é o assassino! Se ninguém abrir a boca, levo todos presos agora mesmo! Vou repetir a pergunta só mais uma vez:

- Quem é o assassino?

De repente, no meio daqueles moleques todos, meu irmão levantou a mão, corajosamente:

- Sou eu, seu sargento. Pode me levar para a cadeia.

O sargento olhou para aquele piralho miúdo, de cabelos desgrenhados e rosto sardento, parecendo um tanto decepcionado com a aparente

insignificância do criminoso.

Mas, antes de mandar colocá-lo no jipinho policial, resolveu fazer o interrogatório, ali mesmo no meio da rua, aproveitando que a audiência era grande e o exemplo da punição serviria para prevenir futuros delitos:

- Então foi você que assassinou as seis galinhas?

Referia-se à meia-duzia de penosas achadas mortas no quintal da dona Nica, a qual, já inconformada com a que tinha tido igual destino no dia anterior, ao ver mais seis, não se conformou em ver perdido, metade de seu galinheiro e correu dar parte à polícia.

- Fui eu, sim senhor- respondeu o meu irmão – dando à voz um tom menos temeroso que a princípio.

- E por que você fez isso, moleque? – prosseguiu o sargento, já sentindo o peso de sua autoridade, expresso no silêncio da platéia ao redor.

- Porque eu fiquei revoltado, seu sargento – respondeu, corajosamente, meu irmão?

- Revoltado por quê?

- Porque ontem o Filipinho atirou com o estilingue e matou uma galinha da dona Nica. Depois colocou a culpa em mim. Dona Nica veio reclamar com minha mãe e tive que dormir no telhado para não levar uma surra.

- Então resolveu se vingar...

- Não é vingança, é revolta. Fiquei revoltado, peguei o meu estilingue e matei as seis galinhas.

O sargento coçou o queixo e percorreu a multidão de moleques com o olhar. Após refletir por alguns instantes, sentenciou:

- Vá chamar sua mãe. - E olhando para os seu subordinados, ordenou ao que tinha cara de fuinha:

- Traga aqui a dona das galinhas.

Dez minutos depois, tempo em que o sargento aproveitou para fumar um cigarro e os meninos aproveitaram para apostarem entre si, sobre o que aconteceria a seguir, lá estavam, diante do policial, minha mãe e dona Nica.

- Escute aqui, minhas senhoras – disse ele numa entonação quase solene – É preciso ter muito cuidado antes de fazer uma acusação. E prosseguiu:

- Por uma não ter se certificado quem foi o verdadeiro responsável pela morte de uma galinha e pela outra ameaçar o filho a ponto de fazê-lo passar a noite empoleirado no telhado, produziu-se um menino revoltado.

Não sabem as senhoras que revolta, se não entendida a tempo, pode durar uma vida inteira?

Por esse motivo, bem merece a senhora o prejuízo da perda de uma parte de seu galinheiro – E, dirigindo à minha mãe:

- E a senhora tem coragem de deixar seu filho dormir ao relento? Com o risco de cair do telhado e ter o pescoço quebrado?

Deveria levar preso é as senhoras!

Minha mãe e dona Nica permaneceram caladas, enquanto o sargento recolheu seus comandados no jipinho, ligou o motor e foi-se embora, sob os aplausos da molecada.

Daquele dia em diante, nunca mais dona Nica reclamou de penosas e nunca mais meu irmão teve que dormir no telhado.

Vivendo e aprendendo: Nos meus tempos de moleque, até sargento de polícia ás vezes fazia papel de psicólogo.

Saturday, February 23, 2008

A VELHINHA, O TELEFONE E A PINHA

A velhinha caminhava cambaleante pela rua 7 de abril, em São Paulo. Não tomara nenhuma bebida alcoólica, mas parecia que estava bêbada. Olhava os prédios, as janelas dos prédios, as lojas e a multidão que caminhava. Por isso, estava tonta. Não era acostumada a nada disso.

Moradora da zona rural, numa pequena propriedade entre Jundiaí e São Paulo, chegara de trem até à Estação da Luz, com o objetivo de chegar à companhia telefônica da rua 7 de abril.

Como viera do bairro da Luz até aquela rua barulhenta e como vencera as mil peripécias para esse feito, nem ela mesmo seria capaz de explicar. Mas estava ali, e precisava encontrar a companhia telefônica.

Uma alma caridosa ajudou-a, finalmente a chegar ao seu destino. Entrou, radiante, no saguão da tão almejada empresa.

Aproximou-se da mesa de uma recepcionista, que, prontamente sentou-a numa cadeira e, com um sorriso nos lábios, fez-lhe a clássica pergunta:

- Em que posso ajudá-la, minha senhora?

A velhinha, um dos últimos exemplares do remanescente caipira das circunvizinhanças da capital paulista, respondeu-lhe em seu clássico linguajar:

- A mocinha num se preocupa cumigo, que eu não bebi não. Só tô com um pouco de bambura nas perna de vê tanto prédio arto e fartura de gente. Mais vim aqui amode comprá um apareio de telefone lá pro meu sítio.

E explicou, à sua maneira, que o marido, velho como ela. já não tinha a agilidade de antes, para ir e voltar do sítio à cidade, pois o reumatismo não deixava. Por isso, fazia-se necessário um aparelho telefônico.

- Entendi, atalhou a recepcionista - a senhora precisa de uma linha telefônica rural. Então, para que a companhia verifique se é possível instalar um telefone em seu sítio, a senhora deve levar estes papéis, preenchê-los direitinho e trazê-los novamente até aqui, juntamente com um croquis de seu sítio...

- Crô o quê, minha fia? Óia que nesses quase oitenta anos de vida, nunca ouvi falá nesse negócio...

- Calma, minha senhora, explicou, com muita educação, a recepcionista - não se preocupe com o nome. Croquis é apenas um mapinha que a senhora deverá trazer, de sua propriedade.

-Ah, bão! - respondeu com alegria a velhinha. Pois se é só isso, já vou me indo, mode providenciá tudo.

E agradecendo a gentileza da recepcionista, despediu-se, não antes de enfiar nas mão da atendente uma moeda de um real.

- Não rejeite a grojeta dessa véia, que a moça foi muito das bondosa. E, sem dar tempo para a resposta, já sem tanta "bambura", bateu em retirada.

Um mês inteiro se passou. Numa segunda-feira de manhã, eis que a velhinha entra sorridente e vem dar à mesa da mesma recepecionista, que recebeu-a, efusivamente.

- Tá tudo aqui o que me pediu, minha fia. E foi retirando os papéis da bolsa. Por último, retirou, bem lá do fundo, um objeto um tanto grande e cheio de pontas, que fez cair, pesadamente, sobre a mesa.

Diante do olhar incrédulo da recepcionista, de suas colegas de trabalho e de todos os clientes ali presentes; acuada como quem estivesse sido apanhada roubando doce de criança, a velhinha explicou:

- Ué, a moça num disse que era pra mim trazê uma pinha???!!!

Antônio Tadeu Ayres