Saturday, December 31, 2005


O NUNU

O casal chegou todo orgulhoso num reluzente carro importado, que estacionou imponentemente à porta do "Grill", o novo nome que resolveram dar às churrascarias de hoje. O atendente, garbosamente uniformizado, todo solícito, abriu a porta para o cavalheiro e a madame saírem.

Cara de executivo em férias, máquina fotográfica digital a tiracolo, bermudão e camisa esportiva, o marido aguardou pacientemente a madame retocar a maquiagem no retrovisor do carro e reunir suas bugigangas de "toucador", guardando-as, cuidadosamente, na bolsa. O atentende também esperava, com alguma expectativa no olhar.

Finalmente, a madame botou os óculos escuros Pierre Cardin e, segurando a mão do marido, saiu altiva, do automóvel. Tudo parecia transcorrer às mil maravilhas.
De repente, um grito infantil, vindo do banco traseiro do automóvel:

- E para mim, ninguém vai abrir a porta, não?

O olhar do pai, da mãe aflita e do atendente concentraram-se na mesma direção.

- É claro, minha queridinha, como é que a mamãe iria esquecer de você? - E a mulher precipitou-se, para retirar a filha do carro, mas o atendente foi mais rápido.

- Por favor, senhorita, tenha a bondade! Eu a ajudo, com os seu brinquedos!

Dessa vez, foram os pais que tiveram que aguardar com paciência, enquanto a menininha reunia duas barbies, três CD's da Xuxa, um jogo da memória, meia dúzia de bichinhos, brindes do Mc'Donald's, uma caixinha de clipes coloridos, a coleção de papéis de carta...

- Pronto, querida, vamos então?

O atendente ajudava a menininha a ajeitar os seu apetrechos num caixa colorida, e já ia estender a mão para ajudá-la a sair do carro, quando, subitamente, veio a objeção:

- Peraí! Ainda falta o meu nunu!

O pai e a mãe entreolharam-se, aterrorizados. A mãe tomou a iniciativa:

- Por favor, querida, o nunu não! Aqui não é lugar de nunu!

A coisinha amuou.

- Sem meu nunu, não desço do carro! E fechou a carinha.

O pai tentou salvar a situação:

- Meu bem, se você não descer do carro, a gente não vai poder entrar na churrascaria, e sem entrar na churrascaria não vamos poder saborear aquelas carnes deliciosas que você adora. Sem falar no sorvete de morango delicioso da sobremesa! Você vai perder tudo isso, só por causa do nunu?

- Vou! Sem nunu, não tenho fome!

A coisa ficou preta. O atendente aguardava, assistindo a tudo com um ar de incredulidade. Que parada!

- Querida, lá dentro é proibido entrar com nunu, não é mesmo, moço? - disse a mãe, dirigindo ao atendente um olhar suplicante.

Meio atrapalhado, sem nem mesmo saber o que era um nunu, o atendente confirmou:

- Sim, minha senhora, entrar com nunus no Grill não é permitido!

- Então, não vou comer. Vão vocês que eu fico aqui - sentenciou a coisinha amuada.

"Ninguém merece" - dizia o pai, com os seus botões. Mas, teve uma idéia brilhante.

- Querida, vamos fazer um trato? Se você descer do carro e deixar o nunu aí, depois de almoçar, a gente vai ao shopping comprar aquela nova barbie para a sua coleção e aproveita para assistir aquele filme do Harry Potter que você ainda não viu! Combinado, então?

- Nada feito, papai. Sem meu nunu, não almoço.

A essas alturas, uma pequena multidão já se reunira, a fim de observar o desfecho da queda de braços.

A mãe resolveu fazer uma última tentativa:

- Minha flor, se você deixar o nunu no carro, a mamãe promete que compra pra você aquela TV pink igualzinha à que a mãe da Jenniffer trouxe dos Estados Unidos para ela! Que tal? Não lhe parece um bom trato?

- Sem trato, mamãe. Só almoço com meu nunu junto!

Não tinha jeito mesmo. Ou melhor, o único jeito, já que a fome apertava e a multidão aumentava, era autorizar o nunu.

- Está bem, filhinha, você sabe que nós a amamos, acima de tudo! Pode trazer o nunu, então - gaguejou o pai.

A coisinha abriu um sorriso enorme e estendeu a mão para o atendente, que já há muito tempo não entendia mais nada, perplexo com a situação que presenciava, e preocupado com a fila de carros, que se acumulava atrás do importado em questão.

- Vamos, nunu, vamos almoçar! -disse a menina, ao descer do carro.

E entrou na churrascaria com sua caixa de brinquedos,arrastando atrás de si o seu nunu: um velho ursinho de pelúcia todo encardido e encebado, amarrado numa corda feita com três fraldas de pano encardidas!

A "troupe" (diga-se, de passagem, apenas o pai, a mãe e o atendente) entrou no "Grill" meio constrangida, enquanto a platéia, toda feliz, batia palmas, com a conquista da coisinha!

Aí está um caso para se pensar: no mundo pó-moderno do qual fazemos parte, os pais educam os filhos ou ous filhos educam os pais. A resposta fica com você.

Antônio Tadeu Ayres
antoniopsic@gmail.com

Friday, December 30, 2005


COMPUTADOR

Use o seu computador para desenvolver a sua criatividade!

Thursday, December 29, 2005


O PEQUENO GARI

Parei meu carro em frente ao estacionamento da escola onde trabalho e desci, a fim de abrir o portão. Dei de cara com um aluninho meu, da 5ª série, miúdo, bem magrinho, ofegante, empurrando uma carrocinha rua acima.

Dei uma espiadela: caixas de papelão, latinhas de refrigerantes, pedaços de ferro retorcidos, jornais velhos, algumas chapas de alumínio, pequenos pedaços de arame...e um par de tênis velhos recolhido de um lixo qualquer.

- Bom dia, professor, tá entrando cedo hoje, né?
- É verdade. E você, menino, não acha que é pequeno demais para empurrar todo esse peso?
- Tô acostumado, professor. Eu e meu irmão trabaia catando material reciclável. Eu faço a parte de cima e ele faz a parte de baixo do bairro, com a outra carrocinha, lá perto da favela.

- Não devia estar jogando bola?
- Bem que eu ia gostar, mais se não trabaiá, não tem comida!

Olho para aquele piralho sujo, com muita pena. Sei exatamente o que vai acontecer. Ele vai catar sucata até perto de meio-dia, depois vai ao depósito vender tudo por uma ninharia de dinheiro, que entregará, em casa, à mãe.

Ela sairá de casa para o mercadinho da esquina, levando a parca comissão do menino. Comprará feijão e farinha...se sobrar alguma coisa, um pedacinho de queijo duro ou de linguiça. Assim, o jantar e o almoço do dia seguinte estarão garantidos. O resto dependerá de nova catação de sucatas.

- Bem, professor, tenho que ir andando. À tarde, a gente se encontra na sala de aula!

- Até mais, Henrique. Bom trabalho!

Entro no meu carro e o boto no estacionamento.

Não posso deixar de me perguntar como é que o nosso Presidente, que foi um garoto pobre como este, pode ficar sentado lá em Brasília, preocupado com a cotação do dólar e o equilíbrio da balança comercial, esquecido de seu passado e das crianças de seu país.

Enquanto isso, o Brasil vai deixando de ser o país de pequenos guris, para ser o país de pequenos garis.

Antônio Tadeu Ayres