MOLECAGENS
O jipinho da polícia entrou na rua da nossa casa com a sirene ligada, trazendo a bordo metade do destacamento da cidade: três soldados. O sargento foi logo dizendo:
- Cadê o assassino?
A molecada que rodava pneu nas imediações logo formou uma multidão, ávida por saber quem iria para a cadeia. Nos olhos de cada um havia um misto de expectativa, curiosidade, medo e diversão. Mas o sargento continuou:
- Quero saber quem de vocês é o assassino! Se ninguém abrir a boca, levo todos presos agora mesmo! Vou repetir a pergunta só mais uma vez:
- Quem é o assassino?
De repente, no meio daqueles moleques todos, meu irmão levantou a mão, corajosamente:
- Sou eu, seu sargento. Pode me levar para a cadeia.
O sargento olhou para aquele piralho miúdo, de cabelos desgrenhados e rosto sardento, parecendo um tanto decepcionado com a aparente
insignificância do criminoso.
Mas, antes de mandar colocá-lo no jipinho policial, resolveu fazer o interrogatório, ali mesmo no meio da rua, aproveitando que a audiência era grande e o exemplo da punição serviria para prevenir futuros delitos:
- Então foi você que assassinou as seis galinhas?
Referia-se à meia-duzia de penosas achadas mortas no quintal da dona Nica, a qual, já inconformada com a que tinha tido igual destino no dia anterior, ao ver mais seis, não se conformou em ver perdido, metade de seu galinheiro e correu dar parte à polícia.
- Fui eu, sim senhor- respondeu o meu irmão – dando à voz um tom menos temeroso que a princípio.
- E por que você fez isso, moleque? – prosseguiu o sargento, já sentindo o peso de sua autoridade, expresso no silêncio da platéia ao redor.
- Porque eu fiquei revoltado, seu sargento – respondeu, corajosamente, meu irmão?
- Revoltado por quê?
- Porque ontem o Filipinho atirou com o estilingue e matou uma galinha da dona Nica. Depois colocou a culpa em mim. Dona Nica veio reclamar com minha mãe e tive que dormir no telhado para não levar uma surra.
- Então resolveu se vingar...
- Não é vingança, é revolta. Fiquei revoltado, peguei o meu estilingue e matei as seis galinhas.
O sargento coçou o queixo e percorreu a multidão de moleques com o olhar. Após refletir por alguns instantes, sentenciou:
- Vá chamar sua mãe. - E olhando para os seu subordinados, ordenou ao que tinha cara de fuinha:
- Traga aqui a dona das galinhas.
Dez minutos depois, tempo em que o sargento aproveitou para fumar um cigarro e os meninos aproveitaram para apostarem entre si, sobre o que aconteceria a seguir, lá estavam, diante do policial, minha mãe e dona Nica.
- Escute aqui, minhas senhoras – disse ele numa entonação quase solene – É preciso ter muito cuidado antes de fazer uma acusação. E prosseguiu:
- Por uma não ter se certificado quem foi o verdadeiro responsável pela morte de uma galinha e pela outra ameaçar o filho a ponto de fazê-lo passar a noite empoleirado no telhado, produziu-se um menino revoltado.
Não sabem as senhoras que revolta, se não entendida a tempo, pode durar uma vida inteira?
Por esse motivo, bem merece a senhora o prejuízo da perda de uma parte de seu galinheiro – E, dirigindo à minha mãe:
- E a senhora tem coragem de deixar seu filho dormir ao relento? Com o risco de cair do telhado e ter o pescoço quebrado?
Deveria levar preso é as senhoras!
Minha mãe e dona Nica permaneceram caladas, enquanto o sargento recolheu seus comandados no jipinho, ligou o motor e foi-se embora, sob os aplausos da molecada.
Daquele dia em diante, nunca mais dona Nica reclamou de penosas e nunca mais meu irmão teve que dormir no telhado.
Vivendo e aprendendo: Nos meus tempos de moleque, até sargento de polícia ás vezes fazia papel de psicólogo.