Thursday, December 29, 2005


O PEQUENO GARI

Parei meu carro em frente ao estacionamento da escola onde trabalho e desci, a fim de abrir o portão. Dei de cara com um aluninho meu, da 5ª série, miúdo, bem magrinho, ofegante, empurrando uma carrocinha rua acima.

Dei uma espiadela: caixas de papelão, latinhas de refrigerantes, pedaços de ferro retorcidos, jornais velhos, algumas chapas de alumínio, pequenos pedaços de arame...e um par de tênis velhos recolhido de um lixo qualquer.

- Bom dia, professor, tá entrando cedo hoje, né?
- É verdade. E você, menino, não acha que é pequeno demais para empurrar todo esse peso?
- Tô acostumado, professor. Eu e meu irmão trabaia catando material reciclável. Eu faço a parte de cima e ele faz a parte de baixo do bairro, com a outra carrocinha, lá perto da favela.

- Não devia estar jogando bola?
- Bem que eu ia gostar, mais se não trabaiá, não tem comida!

Olho para aquele piralho sujo, com muita pena. Sei exatamente o que vai acontecer. Ele vai catar sucata até perto de meio-dia, depois vai ao depósito vender tudo por uma ninharia de dinheiro, que entregará, em casa, à mãe.

Ela sairá de casa para o mercadinho da esquina, levando a parca comissão do menino. Comprará feijão e farinha...se sobrar alguma coisa, um pedacinho de queijo duro ou de linguiça. Assim, o jantar e o almoço do dia seguinte estarão garantidos. O resto dependerá de nova catação de sucatas.

- Bem, professor, tenho que ir andando. À tarde, a gente se encontra na sala de aula!

- Até mais, Henrique. Bom trabalho!

Entro no meu carro e o boto no estacionamento.

Não posso deixar de me perguntar como é que o nosso Presidente, que foi um garoto pobre como este, pode ficar sentado lá em Brasília, preocupado com a cotação do dólar e o equilíbrio da balança comercial, esquecido de seu passado e das crianças de seu país.

Enquanto isso, o Brasil vai deixando de ser o país de pequenos guris, para ser o país de pequenos garis.

Antônio Tadeu Ayres

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