Saturday, January 07, 2006


NO RESTAURANTE

- Quero lasanha.

Aquele anteprojeto de mulher - quatro anos, no máximo, desabochando na ultraminissaia - entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.

O pai, que mal,acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.

- Meu bem, venha cá.

- Quero lasanha.

- Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.

- Não, já escolhi. Lasanha.

Que parada - lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:

- Vou querer lasanha.

- Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.

- Gosto, mas quero lasanha.

- Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá?

- Quero lasanha, papai. Não quero camarão.

Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?

- Você come camarão e eu como lasanha.

O garçom aproximou-se e ela foi logo instruindo:

- Quero uma lasanha.

O pai corrigiu:

Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.

A coisinha amuou. Então não podia querer. Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:

- Moço, tem lasanha?

- Perfeitamente, senhorita.

O pai, no contra-ataque:

O senhor providenciou a fritada?

- Já, sim, doutor.

De camarões bem grandes?

- Daqueles legais, doutor.

- Bem, então me vê um chinite, e pra ela...O que é que quer, meu anjo?

- Uma lasanha.

- Traz um suco de laranja pra ela.

Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem.
A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.

- Estava uma coisa, hem? - comentou o pai, com um sorriso bem alimentado - Sábado que vem, a gente repete...Combinado?

- Agora a lasanha, não é, papai?

- Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais. Mas você vai comer mesmo?

- Eu e você, tá?

- Meu amor, eu...

Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.

O pai abaixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultrajovem.

Carlos Drummond de Andrade (Da coleção "Para gostar de ler, Vol.1, editora Ática)

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